sexta-feira, 1 de julho de 2011

Sobre a Enciclopédia da Estória Universal:

"Woody Allen ressuscitado antes de morrer seria um óptimo subtítulo para este tratado."
Obrigado, Manuel.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Fantástico volume de reflexões

Dotado da criatividade e versatilidade patentes nos que já tive oportunidade de ler, o autor surpreendeu-me mais uma vez nesta obra curiosa.
Cada entrada da Enciclopédia tem um fim em si próprio, e sejam pequenas histórias, factos ou pensamentos, resultam sempre numa reacção do leitor, que varia entre o divertimento e o assombro.
A colectânea de "conhecimentos" resultante é um fantástico volume de reflexões sobre origens, causas e efeitos, história e estórias, nascidas de ideias geniais. Durante a leitura, dei por mim a voltar atrás por me ter surgido uma nova interpretação de uma entrada passada. Certamente que as leituras futuras serão uma experiência distinta desta primeira.

Um livro para ler, guardar, reler e deixar na mesinha de cabeceira.


Muito obrigado. A ler no blog Páginas Desfolhadas.

Enciclopédia da Estória Universal "é uma pequena maravilha de invenção e escrita".

Culto, borgesiano e extremamente divertido e sagaz, este é um excelente livro para ler na hora e meia que temos de vez em quando – e para reler, reler, reler...

Opinião de Maria do Rosário Pedreira. A ler aqui.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Em Enciclopédia da Estória Universal (Lisboa: Quetzal, 2009), o resultado deste trabalho criativo – que se distingue por uma escrita segura e por uma estrutura de algum modo original – é, quase sempre, uma inteligente, divertida e labiríntica paródia da história da cultura humanística e científica, que, no entanto, deixa entrever um discurso crítico cujo alvo é por vezes o presente (o neo-liberalismo, a desigualdade social, a justiça de classe…), desmontando certas dimensões do chamado pensamento único e pondo a nu as mais retorcidas facetas da existência humana.

Muito obrigado, José António Gomes.

terça-feira, 27 de abril de 2010

E, no final, ao se fechar o livro, pequeno do tamanho da mão aberta, sopesamos algo bem mais considerável que o que a nossa vista regista: o peso de uma sabedoria universal, de um micro-cosmos encerrado nesta maravilha apócrifa que a Quetzal terá sem dúvida conseguido surripiar ao Índice de Livros Proibidos. A não perder.

Ler o resto aqui. Obrigado, Rogério.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Tenho encontrado, em quase todo o lado, esta enciclopédia na secção de História das livrarias (Bertrand e Fnac Chiado, Bertrand CCB, Fnac Almada, Livraria Nazareth, etc.). A única excepção foi a Fnac Alfragide. Em certa medida, tudo isto encaixa na perfeição no conceito do livro, mesmo que os meus amigos (dois deles até já o leram) não encontrem a enciclopédia numa secção que deveria ser a sua, ou seja, a dos autores portugueses ou ficção universal ou qualquer coisa do género.
Este livro, apesar de ter conseguido que tantos livreiros tomem a ficção por realidade ou vice-versa, ainda não chegou a este nível: ser citado por um filósofo conhecido, ou ainda melhor, um historiador, como sendo uma obra de referência.

Via Ler.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Rascunhos

«Sobre o livro, apenas me alongo para dizer que adorei e que aconselho a todos os que gostem de uma leitura mais erudita, mas não complexa, cujo gosto literário se enquadre nos autores já citados acima.»

Ler o resto em Rascunhos.
Muito obrigado, Cristina.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Time Out

Enciclopédia da Estória Universal é o verdadeiro exercício de ironia. E começa logo no título: uma enciclopédia presume factualidade, conhecimento fundado, ciência. Mas esta enciclopédia elencada por Afonso Cruz (n.1971) – o verdadeiro homem dos sete ofícios, que tanto escreve como ilustra como compõe música – é uma reunião de ficções, curiosidades, pensamentos morais e filosóficos, parábolas, provérbios orientais, mitos e leituras. Tudo misturado de forma a deixar o leitor num permanente engano, dividido entre o que é facto ou ficção, que pensadores são verdadeiramente citados ou mero fruto da enorme criatividade do escritor. O mesmo engano, afinal, que se aplica à ideia de que é possível um total conhecimento das coisas.

Em entradas geralmente curtas e ordenadas alfabeticamente, o livro é rico em metáforas e aforismos. Pérolas como “atravessar paredes é muito simples quando há uma porta”, “a dúvida é o update da certeza”, ou teses curiosas como a que defende que o conto em que o sapo se transforma em príncipe quando é beijado pode ter surgido pelo facto de algumas espécies terem na pele alcalóides que provocam alucinações.


Para ler o texto completo, da autoria de Ana Dias Ferreira, dirija-se aqui.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Letra M - (Estar) morto

Há quatro maneiras de conhecer Deus, disse o Sheik Sharf-ud-dîn. Há o homem que diz que certo senhor se encontra em casa porque ouviu dizer. Há um outro que afirma a mesma coisa porque viu os cavalos à porta. Um terceiro diz que o senhor está em casa porque o viu à janela, ou mesmo dentro de casa. E, por fim, um quarto, um homem para quem não há qualquer distinção entre quem vê e quem é visto, numa coincidentia oppositorum, numa al fanaa.
Sharf-ud-dîn ainda fala dum outro estágio, provavelmente o mesmo a que se referia Kamil Uddin quando gritou, pelas ruas de Aleppo, «eu sou Deus, eu sou Deus». Com isto, conseguiu que o torturassem e o matassem, como aconteceu a Mansur Al-Hallaj por ter dito frase semelhante ("Ana al-haqq", disse Mansur Al Hallaj). No cadafalso, kamil Uddin acrescentou: «E não existo». A frase que pode ser lida como uma total dissolução do ego, uma al fanaa ainda mais dissolvida, pode também ser uma forma de ateísmo: «Eu sou Deus e, no entanto, não existo». Antecipando Nietzsche, um dos seus discípulos escreveu no túmulo do mestre: «Está morto».

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Afonso Cruz revela em "Enciclopédia da Estória Universal" uma aproximação delicada e original à mitologia borgesiana, sem resvalar nas tão recentemente profusas imitações.

(André Sá, Jornal de Lousada)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Novo Eclético

Hugo Xavier diz que a enciclopédia é um livro quase-quase-perfeito.
É uma crítica mais que perfeita.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Revista Ler

Afonso Cruz (n. 1971) é uma espécie de artista faz-tudo: ilustra livros infantis, realiza filmes de animação, canta e toca na banda de blues/roots The Soaked Lamb, «fabrica a cerveja que bebe» e escreve. Em 2008, publicou um primeiro romance (A Carne de Deus, Bertrand). Agora, oferece-nos uma Enciclopédia de Estória Universal compacta (pouco mais de cem páginas) e que se compraz com a sua evidente falsidade. As dezenas de entradas remetem para 66 referências bibliográficas (quase todas ostensivamente apócrifas) e para uma rede de supostos autores, bizarros e obscuros, que se citam uns aos outros – isto é, que se inventam uns aos outros.
Há sufis, ascetas, santos, cientistas, filósofos, geómetras, arquimandritas, golems, cabalistas. Há ideias recorrentes: a reversibilidade cronológica («o tempo é um livro que pode ser lido do fim para o princípio») e espacial (equivalência dentro/fora e baixo/cima); a estrutura em dupla hélice do ADN; o homem como ser múltiplo. E há uma erudição sem freio, num círculo que abrange Dante, Edwin Abbott Abott, os místicos muçulmanos. A inspiração óbvia e assumida deste exercício literário difícil de classificar é Borges. Numa das entradas, excerto de um sintomático Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, são referidos os «deuses burlões, como Hermes e Mercúrio, como Legbá, Jorge Luis Borges e Toth, esses deuses duplos que se contradizem a eles mesmos, esses porteiros dos Opostos». A este Olimpo, Afonso Cruz acrescenta no comentário final (pela pena de Théophile Morel) o nome de Milorad Pavić, o que faz todo o sentido para quem tenha lido o Dicionário Khazar.
Na sua maioria, os textos da Enciclopédia são ficções curtas, quase sempre escritas num registo solene, prontamente desarmadilhado pelo recurso à ironia e ao humor. Abundam os aforismos. Como estes: «Uma catedral é apenas a maneira mais religiosa de empilhar pedras»; «Todos nós temos dois passados, mas a um deles chamamos futuro»; «A dúvida é o update da certeza»; «Apesar de estar grávida, projectava apenas uma sombra»; «Um triângulo é uma circunferência desenhada com três rectas». Os textos mais belos, porém, são os que se aproximam da perfeição dos contos de Tonino Guerra. Veja-se, por exemplo, Caroço de Cereja: «Distraído, Azizi tinha engolido um caroço de cereja, pouco antes de o anjo da morte – que é todo coberto de olhos – o ter beijado. Depois de morto e enterrado, do corpo de Tal Azizi cresceu uma árvore. Uma bela cerejeira, de madeira escura.»
Com a sua inabalável lógica interna e os seus requintes estilísticos, esta Enciclopédia da Estória Universal é para mim o mais divertido, surpreendente e estimulante dos livros de ficção publicados este ano por autores portugueses.

Avaliação: 8,5/10

[Texto publicado no número 84 da revista Ler]


(José Mário Silva, Bibliotecário de Babel)

Os Meus Livros

A revista Os Meus Livros de Novembro traz um texto escrito por João Morales sobre os livros Animalário Universal do Professor Revillod e Enciclopédia da Estória Universal. Titula-se "A Invenção do Mundo" e tem como subtítulo:
Há mais mundos e conhecimentos na imaginação humana do que entre o Céu e Terra. "Animalário Universal do Professor Revillod" e "Enciclopédia da Estória Universal". Duas provas.

A parte do texto que se refere à Enciclopédia é esta:
"Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal), de Afonso Cruz é constituído por entradas de sábios e livros, documentos e meditações que tem tanto de apócrifo como de divertido, sem renegarem as referências que lhe servem de combustível (como Hermes Trimegisto): "Umit Arslan era muito alto e por vezes perguntavam-lhe como era o mundo lá nas alturas. Umit Arslan respondia-lhes que o que está em cima é como o que está em baixo". Sobre os dois livros pairam sombras. Borges, Ambrose Pierce, mas também o português José Carlos Fernandes, ou o Dicionário Khazar. Bons augúrios."

"Una genialitat d'Afonso Cruz"

Diz Llorenç Carreres. Muito obrigado.

No JL

«Afonso Cruz aparenta uma calma religiosa e uma sabedoria mística, entre os sete ofícios em que se descobre. Ilustrador, realizador de animação, músico, escritor. É esta última arte que nos leva à conversa.
A edição de Enciclopédia da Estória Universal, um dos mais intrigantes livros da recente edição nacional. Se algum historiador futuro encontrar a obra perdida e fora do contexto, poderá ser levado ao engano de pensar que se trata de um manual de uma obscura religião. Mas observando o humor se percebe o embuste. A enciclopédia é o verdadeiro livro pós-moderno, está cheio de ligações e citações, e mistura todos os géneros sem se inscrever em nenhum. Nem poesia, nem prosa, nem ficção, nem ensaio. Pode ser lido da frente para trás ou de trás para a frente. Não se sabe onde está a verdade. Mas também pouco importa. E é uma obra irremediavelmente inacabada, tão inacabada quanto as histórias universais. Afonso Cruz prefere chamar-lhe um livro de factos inventados.»
(JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, Nº1022, de 2 a 15 de Dezembro)

sábado, 28 de novembro de 2009

Letra P - Paleontologia bíblica: a coluna vertebral

O primeiro fóssil foi a serpente do Génesis: fossilizou-se nas nossas costas.
(Ari Caldeira, Subcamadas da Anatomia Humana)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Letra C - (Só para) contrariar

No Alcorão 6:144; 7:40; 7:73; 11:64; 12:65; 12:72; 56:55; 81:4; 88:17; fala-se em camelos. Só para contrariar Jorge Luis Borges que disse: "No Alcorão não aparecem camelos. Como foi escrito por árabes, não foram considerados necessários.”
(Nikola Szabó)

domingo, 15 de novembro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #5

flatland

Na Enciclopédia fala-se várias vezes sobre a obra de Abbott Abbott, The Flatland. É, de toda a literatura conhecida, um dos livros com mais dimensões. Ele próprio o garante: "A romance of many dimensions", lê-se no rosto do livro. Abbott Abbott era contemporâneo de Hinton que escreveu várias obras sobre a quarta dimensão espacial. A influência deste na obra do primeiro não me parece coincidência. Enfim, no século XIX, esta ideia andava frequentemente pela nossa dimensão.
A obra Flatland, de leitura fácil e fluida, trata simplesmente das aventuras de um quadrado chamado A. Square (especula-se que o nome deste quadrado seja, além do trocadilho evidente, uma paródia que o autor fez do seu próprio nome: "A" seria a inicial de Abbott e o "Square" seria a repetição dessa inicial. Ou seja, "A" ao quadrado, Abbott Abbott. Mesmo num simples nome, o autor colocava várias dimensões).
Flatland começa assim: «Chamo Flatland ao nosso mundo, não porque o chamemos por esse nome, mas para vos tornar mais clara a sua natureza, felizes leitores, que tendes o privilégio de habitar o Espaço.
Imaginai uma enorme folha de papel sobre a qual Rectas, Triângulos, Quadrados, Pentágonos, Hexágonos, e outras figuras, em vez de permanecerem fixas nos seus lugares, se movem livremente nessa superfície, mas sem qualquer hipótese de se deslocarem para cima ou para baixo desse plano, são como sombras – embora duras e de contornos luminosos –, e tereis uma ideia muito correcta do país e dos seus habitantes. Ainda há poucos anos teria dito “o meu universo”: mas entretanto a minha mente abriu-se para uma visão superior das coisas.»
Este quadrado que vive uma vida comum e banal, é um dia visitado por uma esfera, um ser tridimensional que o informa da existência de uma outra dimensão a que o quadrado está impossibilitado de ver e conhecer, por limitações inerentes. O mero aparecimento da Esfera que atravessa o país plano é já um prodígio e um facto inexplicável para qualquer cidadão de Flatland.
Abbott vai, com esta alegoria, escavar e criar inúmeras e profundas possibilidades de interpretação da sua novela, possibilidades essas que vão desde a sátira social, à religião, à Física. O Quadrado, herói desta aventura, certo dia coloca a Esfera sob a possibilidade da existência de uma quarta dimensão espacial, ideia que a Esfera rejeita de imediato, acusando o Quadrado de demência (mas é nesta alegada loucura que a alegoria da Flatland encontra a sua melhor expressão e analogia, sugerindo a existência de várias dimensões e aproximando-se de certos aspectos da Física moderna, bem como da Religião).
Deste livro surgiram inúmeras obras (ensaios, romances, sequelas, contos, etc.), onde se destacam autores como Heinlein (em especial com o conto And He Built a Crooked House), Ouspensky (teve o arrojo de escrever o Tertium Organum. Depois do Organon de Aristóteles e do Novum Organum de Francis Bacon) e H. G. Wells (o primeiro capítulo de A Máquina do Tempo serve de base teórica da narrativa e é uma exposição mais ou menos clara da ideia de tempo como dimensão espacial). Ian Stewart, Steiner e Rucker também escreveram bons livros sobre o tema. É de salientar ainda The Annotated Flatland (as anotações pertencem ao matemático Ian Stewart).
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Rádio

O alegado autor do livro Enciclopédia de Estória Universal esteve, sábado passado, no programa A Força das Coisas (Antena 2), de Luís Caetano.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #4

O nome "figo-da-índia", que é o nome do fruto do cacto opuntia ficus-indica, deve-se (segundo a Enciclopédia) a um santo indiano chamado Girijashankar. Este asceta -- que, diz a Enciclopédia, era extremamente humilde -- terá vivido durante o reinado de Yāmīn al-Dawlah Abd al-Qāṣim Maḥmūd Ibn Sebük Tegīn, mais conhecido por Mahmud de Ghazni. A modéstia deste santo hindu, cuja existência histórica me parece duvidosa, levava-o a esconder as suas virtudes sob uma aparência de vícios. Vivia no meio do luxo, injuriava os pobres, mas, por dentro era mais miserável do que o mais miserável pedinte, era mais bondoso do que o santo mais bondoso (ou assim acreditava ele). Seria então, por causa disto, que o fruto do cacto opuntia ficus-indica teria este nome, ou seja figo-da-índia, "por -- tal como o santo indiano -- ser doce por dentro e ter espinhos por fora". No fundo, é uma ideia perversa que parece servir para justificar o apego à matéria, coisa que o asceta comum despreza. A minha opinião é que Girijashankar (se é que realmente existiu) não era senão um homem incapaz de renunciar a uma vida luxuosa e, assim, arranjou uma boa desculpa para conseguir viver sem um enorme conflito interno, conciliando, através deste artifício teórico, o seu ideal asceta com o seu amor pelas coisas do mundo.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)



Opuntia ficus-indica. Ilustração da Obra de Albertus Seba, intitulada Locupletissimi rerum naturalium thesauri accurata descriptio — Naaukeurige beschryving van het schatryke kabinet der voornaamste seldzaamheden der natuur.
Apenas por curiosidade, a edição da Taschen pesa 5,3kg.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #3

Numa das entradas (letra B), a psicóloga Emily Richardson afirma que o problema de tantos demónios que andam à solta é somente carência afectiva. Sugere ainda que o Diabo é um anjo que apenas precisa de atenção: com um bocadinho de afecto poderemos ver um monstro transformar-se num anjo, ou um sapo num príncipe.
Esta ideia não é nova: no Segundo Concílio de Constantinopla, em 533 d.C. condenou-se a doutrina de Orígenes, a apocatástase, onde, no final dos tempos, todos os habitantes do Inferno -- incluindo o próprio Diabo -- seriam perdoados.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #2

A primeira versão que me chegou às mãos da Enciclopédia da Estória Universal tinha uma capa com uma ilustração da obra de William Cheselden, erradamente referenciada como pertencendo à obra "De Humani Corporis Fabrica", de Andreas Vesalius.


[Versão antiga da capa]

O esqueleto a rezar pertence à "Osteographia" de Cheselden, como qualquer anatomista sabe. Relativamente a esta ilustração, podia, na folha de rosto, ler-se a seguinte nota:
"Todos os vivos estão mortos, tal como prova o esqueleto dentro deles".


[Ilustração da obra Osteographia, de William Cheselden]

Noutra versão, também ilustrada pela mesma imagem, a nota era outra: "A morte é para o ser humano, o que o caroço é para o fruto e esse caroço é a semente de uma outra vida". Esta última frase vinha assinada por Comenius, mas não pude comprovar a autoria. No entanto, na Didáctica Magna, desse mesmo autor, existe uma parábola que pode explicar esta referência. Nessa obra, Comenius avisa-nos que todo o ser humano vive três vidas. E cada uma é a preparação para a que virá depois. A primeira é a do embrião que vive no útero e vai desenvolvendo um corpo. Tal como Guitton escreveu certa vez, este embrião poderá, muito justamente, duvidar da utilidade daquilo que vê crescer. Se pudesse fazer perguntas, faria estas: Para quê estas mãos se não tenho nada para agarrar? Para quê estes pulmões se não respiro? Para quê estes olhos se não há nada para ver? As respostas estariam, para Comenius, na próxima vida, pós-parto, podemos dizer assim, ou usando a expressão do autor, "na vida debaixo do sol". As mãos -- ou os pulmões ou os olhos -- têm uma função na "vida que há-de vir" e não no presente. Assim, pela mesma lógica, Comenius avisa-nos que esta vida é apenas a antecâmara da próxima e que algumas coisas só no futuro farão sentido.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)


[Miolo dessa versão da Enciclopédia - Letra A]


[Miolo dessa versão da Enciclopédia - Letra D]

Links para as obras de dois dos autores mencionados:
Andreas Vesalius
William Cheselden

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Último parágrafo da crítica do Ípsilon

«Curiosamente, em algumas livrarias “Enciclopédia da Estória Universal” está na secção de História. Uma ironia que deve agradar a Afonso Cruz.»

A pré-publicação no Bibliotecário de Babel

Chega amanhã às livrarias o novo livro de Afonso Cruz, artista mais do que versátil e capaz de jogar simultaneamente em vários tabuleiros (literatura, música, ilustração). A sua Enciclopédia da Estória Universal, editada pela Quetzal, é uma obra difícil de classificar, um engenhoso e divertidíssimo exercício borgesiano, ao mesmo tempo erudito e lúdico. Deixo-vos aqui seis das muitas dezenas de “entradas”:

ESTE LADO DO ESPELHO
– Levo uma vida normal, Sr. Dr., ando nua pelas ruas, voo de prédio em prédio, as pessoas à minha frente mudam de cara constantemente, mas à noite, Sr. Dr., à noite sonho que me levanto às oito da manhã, saio de casa e vou trabalhar durante oito horas. Tenho uma hora de almoço, como à pressa (por vezes em pé), saio às seis e vou para casa de carro, sempre em filas, vejo televisão e, depois, acordo com suores frios. É horrível, Sr. Dr., isto acontece-me todos os dias, há anos, dum modo absurdamente repetitivo, e isto não vai lá com comprimidos.
– Isso é uma situação normalíssima, minha cara senhora, normalíssima. Nem imagina a quantidade de pessoas que têm esse sonho. Aliás, poderemos mesmo afirmar que esse é o único sonho normal. A senhora vir até aqui queixar-se de coisa tão banal, só prova que está de saúde. No outro dia – nem lhe devia estar a dizer isto – apareceu-me aqui um maluquinho, um caso perdido, que sonhava que trabalhava por conta própria, ficava em casa a maior parte dos dias e viajava muito com subsídios ou lá o que era aquilo. Quando ele me disse isto, transformei-me logo numa porta de mogno e mandei-o sair.
(Agnese Guzman, A Borboleta Taoísta)

INFINITOS
Nicolau de Cusa disse que uma circunferência infinita é uma recta; Dovev Rosenkrantz disse que um homem infinito é aquele que não tem parte de fora; Miroslav Bursa disse que uma casa infinita é uma igreja; Teodoro de Reims dizia que uma bebedeira infinita não dá ressaca; Deus determinou que a justiça eterna é o tempo que os tribunais terrestres levam a despachar os processos; e Malgorzata Zajac disse que uma língua infinita é da porteira do meu prédio.

(DO) LABIRINTO DA VIDA
– Tudo o que é vivo tem um ligeiro cheiro a morto – exclamou Marija de Breslov, parteira de Wilhelm Möller, enquanto lhe cortava o cordão umbilical. Admoestada pelo pai da criança sobre a rudeza da frase, respondeu: – Quando nasce uma criança, Sr. coronel, abre-se uma cova. O cordão umbilical é o que nos liga à origem e não nos deixa perder num labirinto, liga-nos à matriz. É o fio de Ariadne que nos cortam para sermos abandonados à mercê do monstro de Minos, à vida labiríntica. Esse cordão, o umbilical, vai para o lixo e é substituído por outro que começa nas minhas mãos de parteira e termina nas do meu marido. Ele é coveiro.

NEOLIBERALISMO E A MODA
«O grande defeito da direita é esse neoliberalismo animal, que considero uma forma de estar aberrante. O grande defeito da esquerda é essa mania de usar casaco com cotoveleiras.»
(Samuel Lieber, Imagiologia do Estadista)

NOTA PASTORAL
«Uma nuvem é uma maneira mais volátil de dizer rio. Os Abokowo, da bacia amazónica, chamam às nuvens rios-pássaros e dizem que cada rio tem seis margens: a esquerda, a direita, a nascente, a foz, o leito e o céu. Já os Ubitatã, do Sudoeste africano, crêem, muito justamente, que as árvores bebem o mar. Chupam-no de longe e transformam cada golo em nuvem que pastoreiam como se apascentam ovelhas e depois fazem-nas chover conforme a sua sede. Por isso é que não há nuvens no deserto. Nenhuma árvore com bom senso mandaria para lá os seus rebanhos de água.»
(Eugène Faucher, As Margens dos Céus)

PESSIMISMO
Há principalmente duas coisas que se perdem com a idade: a visão e o optimismo. Mas para a primeira existem óculos.
(Malgorzata Zajac, Fragmentos do Espanto)

(link: Bibliotecário de Babel)

domingo, 25 de outubro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #1

Tudo aponta para que os Viyhokim não passem de mais uma invenção. O nome deste povo parece ser uma corruptela do aramaico que significa: "E Ele o decretou". Este nome aparece, por exemplo, no Antigo Testamento, no Primeiro Livro das Crónicas. A letra "v" inicial é apenas uma conjunção copulativa usada como recurso estilístico. No texto bíblico, este também é o nome de uma das colunas do Templo de Salomão.
Julgo que o uso de um nome aramaico, juntamente com a referência geográfica aos Montes Golã (onde se diz que Noé fez atracar a sua Arca depois do Dilúvio), teriam por objectivo dar alguma credibilidade à existência deste povo.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)

O storyboard, segunda página

storyboard

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sapatos e Chapéus

"Os Viyhokim, povo que habita junto aos Montes Golã, na Síria, nunca juntam o chapéu com os sapatos. Acreditam que Deus, no início, começou por criar um chapéu a que chamou «céu». E criou uns sapatos que chamou «Terra». Olhou para o chapéu e para os sapatos e pôs um homem lá no meio, entre o céu e a Terra. É por isso que os sapatos e os chapéus, para os Viyhokim, têm sempre de ter, pelo menos, um homem de distância."
(Enciclopédia da Estória Universal, letra "S")

terça-feira, 20 de outubro de 2009

enciclopedia

Texto da contracapa:

Este é um livro de factos - e de ficções, burlas, citações - esquecidos ou ignorados pela História e encruzilhados uns nos outros em forma de labirinto. Um espaço entre mordomos e coronéis, metáforas, mentiras, assassínios, deuses duplos, cabalistas fabulosos, ascetas hindus e narrativas absolutamente orientais.

«A matemática e a música são exactamente a mesma coisa (exceptuando, talvez, um ou outro sucesso pop). Todavia, num baile em Crotona, Pitágoras percebeu a atroz realidade. A música era capaz de fazer dançar a mais bela rústica, bem como a mais certeira pítia de Delfos. Feito que nunca conseguiria igualar exibindo o seu áspero teorema.»

«Quando se nasce, a nossa morte sai do túmulo, como nós do ventre. Devagar, corcunda e velha, contrasta com a nossa juventude. Nós somos crianças quando ela é uma velha enrugada, fraca e decrépita. E todos nós vamos envelhecendo enquanto ela vai rejuvenescendo. A certa altura da vida, os dois rostos, o nosso e o da nossa morte, cruzam-se e são iguais como num espelho. Acontece por volta dos trinta. Por isso, quando um homem antes de morrer vê a cara da morte, nesse trágico instante, ela tem a cara que nós tínhamos quando saltámos do ventre materno: uma cara de bebé recém-nascido.»