segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #4

O nome "figo-da-índia", que é o nome do fruto do cacto opuntia ficus-indica, deve-se (segundo a Enciclopédia) a um santo indiano chamado Girijashankar. Este asceta -- que, diz a Enciclopédia, era extremamente humilde -- terá vivido durante o reinado de Yāmīn al-Dawlah Abd al-Qāṣim Maḥmūd Ibn Sebük Tegīn, mais conhecido por Mahmud de Ghazni. A modéstia deste santo hindu, cuja existência histórica me parece duvidosa, levava-o a esconder as suas virtudes sob uma aparência de vícios. Vivia no meio do luxo, injuriava os pobres, mas, por dentro era mais miserável do que o mais miserável pedinte, era mais bondoso do que o santo mais bondoso (ou assim acreditava ele). Seria então, por causa disto, que o fruto do cacto opuntia ficus-indica teria este nome, ou seja figo-da-índia, "por -- tal como o santo indiano -- ser doce por dentro e ter espinhos por fora". No fundo, é uma ideia perversa que parece servir para justificar o apego à matéria, coisa que o asceta comum despreza. A minha opinião é que Girijashankar (se é que realmente existiu) não era senão um homem incapaz de renunciar a uma vida luxuosa e, assim, arranjou uma boa desculpa para conseguir viver sem um enorme conflito interno, conciliando, através deste artifício teórico, o seu ideal asceta com o seu amor pelas coisas do mundo.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)



Opuntia ficus-indica. Ilustração da Obra de Albertus Seba, intitulada Locupletissimi rerum naturalium thesauri accurata descriptio — Naaukeurige beschryving van het schatryke kabinet der voornaamste seldzaamheden der natuur.
Apenas por curiosidade, a edição da Taschen pesa 5,3kg.

Nenhum comentário:

Postar um comentário