sábado, 28 de novembro de 2009

Letra P - Paleontologia bíblica: a coluna vertebral

O primeiro fóssil foi a serpente do Génesis: fossilizou-se nas nossas costas.
(Ari Caldeira, Subcamadas da Anatomia Humana)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Letra C - (Só para) contrariar

No Alcorão 6:144; 7:40; 7:73; 11:64; 12:65; 12:72; 56:55; 81:4; 88:17; fala-se em camelos. Só para contrariar Jorge Luis Borges que disse: "No Alcorão não aparecem camelos. Como foi escrito por árabes, não foram considerados necessários.”
(Nikola Szabó)

domingo, 15 de novembro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #5

flatland

Na Enciclopédia fala-se várias vezes sobre a obra de Abbott Abbott, The Flatland. É, de toda a literatura conhecida, um dos livros com mais dimensões. Ele próprio o garante: "A romance of many dimensions", lê-se no rosto do livro. Abbott Abbott era contemporâneo de Hinton que escreveu várias obras sobre a quarta dimensão espacial. A influência deste na obra do primeiro não me parece coincidência. Enfim, no século XIX, esta ideia andava frequentemente pela nossa dimensão.
A obra Flatland, de leitura fácil e fluida, trata simplesmente das aventuras de um quadrado chamado A. Square (especula-se que o nome deste quadrado seja, além do trocadilho evidente, uma paródia que o autor fez do seu próprio nome: "A" seria a inicial de Abbott e o "Square" seria a repetição dessa inicial. Ou seja, "A" ao quadrado, Abbott Abbott. Mesmo num simples nome, o autor colocava várias dimensões).
Flatland começa assim: «Chamo Flatland ao nosso mundo, não porque o chamemos por esse nome, mas para vos tornar mais clara a sua natureza, felizes leitores, que tendes o privilégio de habitar o Espaço.
Imaginai uma enorme folha de papel sobre a qual Rectas, Triângulos, Quadrados, Pentágonos, Hexágonos, e outras figuras, em vez de permanecerem fixas nos seus lugares, se movem livremente nessa superfície, mas sem qualquer hipótese de se deslocarem para cima ou para baixo desse plano, são como sombras – embora duras e de contornos luminosos –, e tereis uma ideia muito correcta do país e dos seus habitantes. Ainda há poucos anos teria dito “o meu universo”: mas entretanto a minha mente abriu-se para uma visão superior das coisas.»
Este quadrado que vive uma vida comum e banal, é um dia visitado por uma esfera, um ser tridimensional que o informa da existência de uma outra dimensão a que o quadrado está impossibilitado de ver e conhecer, por limitações inerentes. O mero aparecimento da Esfera que atravessa o país plano é já um prodígio e um facto inexplicável para qualquer cidadão de Flatland.
Abbott vai, com esta alegoria, escavar e criar inúmeras e profundas possibilidades de interpretação da sua novela, possibilidades essas que vão desde a sátira social, à religião, à Física. O Quadrado, herói desta aventura, certo dia coloca a Esfera sob a possibilidade da existência de uma quarta dimensão espacial, ideia que a Esfera rejeita de imediato, acusando o Quadrado de demência (mas é nesta alegada loucura que a alegoria da Flatland encontra a sua melhor expressão e analogia, sugerindo a existência de várias dimensões e aproximando-se de certos aspectos da Física moderna, bem como da Religião).
Deste livro surgiram inúmeras obras (ensaios, romances, sequelas, contos, etc.), onde se destacam autores como Heinlein (em especial com o conto And He Built a Crooked House), Ouspensky (teve o arrojo de escrever o Tertium Organum. Depois do Organon de Aristóteles e do Novum Organum de Francis Bacon) e H. G. Wells (o primeiro capítulo de A Máquina do Tempo serve de base teórica da narrativa e é uma exposição mais ou menos clara da ideia de tempo como dimensão espacial). Ian Stewart, Steiner e Rucker também escreveram bons livros sobre o tema. É de salientar ainda The Annotated Flatland (as anotações pertencem ao matemático Ian Stewart).
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Rádio

O alegado autor do livro Enciclopédia de Estória Universal esteve, sábado passado, no programa A Força das Coisas (Antena 2), de Luís Caetano.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Excertos da obra exegética do Dr. Morel #4

O nome "figo-da-índia", que é o nome do fruto do cacto opuntia ficus-indica, deve-se (segundo a Enciclopédia) a um santo indiano chamado Girijashankar. Este asceta -- que, diz a Enciclopédia, era extremamente humilde -- terá vivido durante o reinado de Yāmīn al-Dawlah Abd al-Qāṣim Maḥmūd Ibn Sebük Tegīn, mais conhecido por Mahmud de Ghazni. A modéstia deste santo hindu, cuja existência histórica me parece duvidosa, levava-o a esconder as suas virtudes sob uma aparência de vícios. Vivia no meio do luxo, injuriava os pobres, mas, por dentro era mais miserável do que o mais miserável pedinte, era mais bondoso do que o santo mais bondoso (ou assim acreditava ele). Seria então, por causa disto, que o fruto do cacto opuntia ficus-indica teria este nome, ou seja figo-da-índia, "por -- tal como o santo indiano -- ser doce por dentro e ter espinhos por fora". No fundo, é uma ideia perversa que parece servir para justificar o apego à matéria, coisa que o asceta comum despreza. A minha opinião é que Girijashankar (se é que realmente existiu) não era senão um homem incapaz de renunciar a uma vida luxuosa e, assim, arranjou uma boa desculpa para conseguir viver sem um enorme conflito interno, conciliando, através deste artifício teórico, o seu ideal asceta com o seu amor pelas coisas do mundo.
(Théophile Morel, Ensaio Sobre Livros que Raramente Existem, Paris, 1978)



Opuntia ficus-indica. Ilustração da Obra de Albertus Seba, intitulada Locupletissimi rerum naturalium thesauri accurata descriptio — Naaukeurige beschryving van het schatryke kabinet der voornaamste seldzaamheden der natuur.
Apenas por curiosidade, a edição da Taschen pesa 5,3kg.